segunda-feira, agosto 20, 2012

Shower


Acordou com um raio de sol sobre seu olho, que ultrapassou os limites da janela, penetrando por uma das suas frestas. Era um dia aparentemente como todos os outros. Aparentemente.
Apesar de sentir seu corpo pedindo para que permanecesse na cama, no calor das suas cobertas, ainda sentindo o cheiro do perfume impregnado nos lençóis, colocou seu braço para fora e empurrou-as no ímpeto de ficar de pé. Tonteou.
Estava nua, e o ar gelado do inverno do sul penetrou em cada um dos seus poros fazendo com que, por alguns segundos ela se arrependesse amargamente por ter levantado.
Por alguns segundos.

Olhou para a cama vazia, para os lençóis desalinhados e continuou a caminhar - voltar era demonstrar fraqueza e fraca ela não era. Cada passo adiante era mais do que um passo à frente, era uma pequena conquista.
Ligou o chuveiro. Esperando a água esquentar viu no vapor que subia ao teto e escapava pela janela mais reflexos de sol, que misturados com as gotas d'água formavam um pequeno arco-íris, desenhado sobre o ventre descoberto e teso.
Entrou nele. Aquele líquido quente escorrendo pela sua pele, já fria pelo tempo de espera, parecia iniciar um processo de descongelamento e limpeza. Seus músculos relaxaram, seus olhos se fecharam e, como que em transe ela deslizou o sabonete pelo corpo, apreciando cada uma de suas curvas bem devagar. Nesse momento esquecera das particularidades físicas que a desagradavam, simplesmente apreciou a sensação daquele objeto macio que percorria cada uma das dobras, das retas, das suas pequenas cavernas.
Os dedos tocavam a pele, mas eram em sua alma que de fato penetravam - invadiam todas as lembranças, todos os sentimentos, toda sua nudez. Um sussurro e um breve gemido comprovam a cumplicidade e a sintonia: o casamento perfeito do palpável, do real e do imaginário. As faces rosadas e o sorriso no rosto formavam o retrato mais perfeito desse nirvana - a extinção temporária do sofrimento.
O toque do telefone a tirou do transe.
Chuveiro desligado.
Mesmo com a toalha enrolada no corpo ainda sentia as gotas d'água escorrerando vagarosamente e ficando frias a cada milímetro de pele que desciam. A sensação desse estado de glória ainda estava presente em cada um dos seus músculos; nos seus olhos que brilhavam e nas faces quentes e ruborizadas.
Contrariando todos os seus desejos, vestiu-se.
Precisava guardar por mais algumas horas todo o desejo revelado.

segunda-feira, agosto 13, 2012

Montevideo (homenagem)

Prefácio
Escrevi esse texto em novembro de 2004.
Os acontecimentos de hoje o trouxera à tona, junto com esse sorriso que ficou estampado no meu rosto.

Com todas as honras - e com todos erros e acertos - mereceu ser republicado:uma homenagem (que de nada tem de póstuma!)
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Ela acordou, mas manteve os olhos fechados. Permaneceu ali, naquela mesma posição, assimilando o aroma do ambiente e começando a sentir novamente partes do seu corpo ainda adormecidas. Deslizou as mãos pelo lençol, levemente - aqueles não eram os seus lençóis. Seu corpo inicia o processo de despertar - ela volta a sentir suas pernas e seus braços, ainda doloridos; ao movimentar sutilmente as costas experimenta uma mistura de dor e prazer, uma sensação de que todo aquele aparente desconforto físico tinha um motivo especialmente peculiar. Uma sensação de felicidade começa a tomar conta dos seus pensamentos e eles, aos poucos, começam a se juntar na sua memória, como um quebra-cabeça: só as peças reunidas de forma correta nos revelam a imagem perfeita.
Ao fundo ouvia o som dos carros, misturado com uma música que tocava num volume baixo e penetrava nos seus ouvidos com uma delicadeza inigualável - ela não reconhecia a música, nem o idioma, mas aquele som lhe fazia bem e parecia apressar e montagem daquele quebra-cabeça. Ainda não era o momento de abrir os olhos, não sem antes perceber e capturar toda energia que ela recebia através dos três sentidos despertados. Faltam dois e a visão seria o último. Ela os alimentava sensual e vagarosamente.
Na boca ainda o gosto do vinho - era tinto, suave. O leve odor de cigarro nos cabelos a fez juntar mais algumas peças... Sentiu novamente o suor 
escorrendo pelo seu corpo, deslizando suavemente enquanto sua respiração começava a ficar ofegante.
O momento chegara: abriu os olhos. Aquela meia-luz, as roupas espalhadas pelo chão, a garrafa de vinho vazia... todas as peças se encaixavam perfeitamente, como na noite anterior. Olhou para o lado e o quadro se pintou de forma perfeita: os raios de luz que passavam pelas frestas da janela 
iluminaram o único corpo que podia estar ao seu lado naquele momento. Aqueles olhos azuis ainda a fitavam com o mesmo desejo. O sorriso sedutor dela foi como resposta para o olhar.
Hora de desmontar o quebra-cabeça e 
começar de novo - ainda é cedo.


quarta-feira, agosto 08, 2012

Incompleto

Kenvin Pinardy
O copo de vodca estava sobre a mesa. Enquanto o gelo derretia tornando cada vez mais suave o gosto do álcool eu via aquele corpo estirado no chão da minha sala. A luz alaranjada que penetrava pela janela, transpondo a "semi-transparência" da cortina branca, deixava a fotografia com a luminosidade perfeita – difusa sobre a pele fosca e bronzeada. Assim, apertando um pouco meus olhos para driblar a sutil miopia, era possível ver cada pelo, cada poro, cada pequena cicatriz ou sinal.
Todos os sinais de nós.
Olhei através do copo, como se as gotas que escorriam pela borda percorressem as curvas do ser que estava aos meus pés – só assim ele ficava aos meus pés. Meus dedos escorregavam suavemente em torno da pedra de gelo, mas ela parecia fugir do meu toque; nós duas, barradas pelo limite do vidro circular.
Meu reflexo no espelho; a nudez sobre a cadeira revela também um rosto rosado. Me vejo te olhando, não me reconheço.
Para onde foram as lágrimas, que deram espaço para essa cara marota, pretenciosa, sem-vergonha e audaciosa?
Teu transe passa a me incomodar, inquietar. Tua inércia me instiga. Essa menina quer fazer arte, te importunar, atiçar, provocar.
Com um leve esforço, as pontas dos meus dedos dos pés te encostam, quase sem querer tocar. Te vejo arrepiar e esse teu corpo, antes imóvel se mexe vagarosamente arrastando a carne quente, tesa e úmida em minha direção, enquanto teus dedos envolvem meus delgados tornozelos.
Visão sublime dos teus cabelos entre os meus joelhos.(…)

quinta-feira, agosto 02, 2012

Cama de Gato

Capa do álbum "Suede - Dog Man Star"
Deitada, abro os olhos vagarosamente. Mal consigo enxergar – preciso de alguns segundos para ajustar o foco. Estou nua. Percorro a linha meus seus braços até a extremidade e consigo ver meus pulsos amarrados. As finas meias de nylon brancas que antes contornavam minhas pernas agora são as algemas que me mantêm presa à cama, uma em cada punho, firmemente atadas. Levanto levemente o pescoço, minhas costas doem; olho ao redor: minhas roupas espalhadas pelo tapete; o cinzeiro que ainda sustenta um cigarro aceso; as duas taças de vinho caídas e as três garrafas vazias. Nada faz sentido. Nenhum som, não fosse o roçar do ventilador de teto, que gira vagarosamente, sem produzir quase nenhuma aragem. Sinto o suor escorrendo por entre os meus seios. A luz é pouca – resume-se ao tom alaranjado de pôr-do-sol que entra pela janela entreaberta e aos poucos vai sumindo. Poderia gritar, mas algo não me permite. O medo se confunde com a sensação de fazer parte disso, de ter pedido para estar aqui, dessa forma, tão desprotegida, tão entregue. O barulho das chaves me tira do transe. É quando ele entra. A mistura dos últimos reflexos do sol com os pontos escuros não permitem com que eu veja seu rosto, apenas contornos. Ele se aproxima, passa a mão pelos meus cabelos e, cuidadosamente cobre meus olhos – continuo sem pronunciar uma palavra. Com as pontas dos dedos ele me explora – meus lábios, minha língua. Lambo-os como se não quisesse que saíssem dali. Os dedos úmidos pela saliva descem pelo meu pescoço, mamilos, ventre... E cessam, como se me punissem, como se me atiçassem. Ele sabe me provocar.
Meu corpo se contorce, peço mais. Preciso de mais. Agito os braços, agora sim, na tentativa de soltar as amarras que me impedem de segurá-lo – presa domada (?). Ele segura meus joelhos, percorre minhas coxas e agarra minhas nádegas com força, enquanto a língua desliza por entre as minhas pernas. Não consigo gritar, mas meu corpo responde a todas as perguntas. Amarrada, domada, não posso segurar suas mãos, guiar seus movimentos, tocar ou morder sua pele... Eu me agito ainda mais, enquanto a respiração descompassada acelera meus batimentos cardíacos.
Num instante, um vazio: ele se afasta bruscamente – ainda sentindo ondas de prazer gemo, pedindo mais, até que ele me preenche completamente, mais e cada vez mais. Meus pés tocam seu pescoço, seu rosto: roçam na barba, e enquanto ele os beija, segura meu quadril, controlando meus movimentos, cada vez mais ferozes, mais frequentes, mais profundos, até que ouço seu gemido – forte e alto. É quando ele atira seu corpo sobre o meu. Seu peso me conforta. Ainda dentro de mim, sinto-o por completo – o cheiro, o gosto do suor, o calor da pele... Meus cabelos
 molhados enroscados no seu pescoço só evidenciam o que sempre soubemos – quem está amarrada não seria a predadora?