terça-feira, fevereiro 13, 2007

Sem meias...

Sentou-se sobre o velho puff cor-de-laranja desbotado que sua vó lhe deixou de herança. Com as formigas mordendo-lhe as nádegas ligou os três botões que iniciavam a largada por mais uma
sessão de sábado.
A conexão, o login, o nome de usuário.
(Nome de usuário? 
Estou aqui todos os dias, com meus olhos vidrados em você, e você ainda não sabe meu nome... Que indelicadeza...).
Abriu páginas e páginas... letras, letras... imagens, imagens.
O copo sempre na sua frente. Às vezes amarelo, às vezes negro, às vezes incolor - com bolinhas, sem bolinhas; com álcool, sem álcool. (Sempre achou a opção do "com" bem mais divertida, mas no momento de embaralhar as palavras, pernas embaralhadas não combinavam com a velocidade com a qual seus dedos precisavam se mover para acompanhar seus pensamentos).
A fumaça... Por vezes do cigarro, por outras do incenso, mas sempre a fumaça. Era como quando os antigos índios acendiam os cachimos ou cigarros, chamando os espíritos.
Ela sempre os invocava.
Os bons, os insanos, os malfeitores, os possuídos; as perversas, as abandonadas, as amadas, as odiadas, as esquecidas.
Venham, Nefertite, Ártemis, Hera, Perséfone, Afrodite, Átena, Minerva... Gaia.
Em frente ao que sempre a olhava com um grande ponto de interrogação. Com uma tela branca e um cursor intermitente, que a convidavam ao bailar das falanges.
De chinelos, de sandálias. Com salto - descalça.
Sem calça.
De roupa, de hobbie. De camiseta, com toalha - sem toalha.
E as pequenas formigas passando na sua frente...
(Como elas gostam de tudo o que é meu! Passam pelo meu cigarro, pela minha bebida, pelos meus pápeis, cd's. Olha lá, estão percorrendo o rosto da minha amiga, nos seus olhos - sim, porque também estão nas fotos....
Normal seria estarem na cozinha. Mas estão na minha sala, no meu quarto, no meu banheiro - é no meu banheiro, essas safadas! Gostam das minhas maquiagens, dos meus perfumes e de Victoria's Secret. Estão na minha pele - nesta sim, estão sempre. E com certeza gostam do que lêem. Com certeza mordem minha bunda porque não gostam de ficar por baixo...).
Então o pensamento pára. Se ele pára a boca fala. Meio desafinada, rouca, tentanto acompanhar. É só um trago para que os dedos voltem a trabalhar.
Janelas e janelas abertas - mas nenhuma traz o vento. Nenhuma que deixe passar o barulho dos veículos que estão enlouquecidamente preenchendo o asfalto, treze andares abaixo. Nenhuma que permita ver a infinidade de cimento, vidros, concretos e tons gris que a rodeiam.
E naquele cantinho, escondido, quietinho... o homenzinho verde com a bolinha vermelha.
Estou ocupada.
(Estou ocupada?)
Os olhos vidrados, esperando que nasça mais uma cria. Elas sempre são diferentes, e nem sempre são as esperadas, as imaginadas.
Me pedem batom, lingerie, meia-luz, lençóis. Lágrimas, dor, resignação. Paixão, ódio, convalescência. Eu sei que do outro lado esperam por mais luxúria, bebidas, corpos desnudos ou histórias misteriosas.
Hoje não tem mistério - pelo menos não esse.
Pelo menos não de tão fácil acesso.
Hoje é preciso muito mais que olhos velozes e imaginação soltinha prá tentar distinguir o que está por trás do monte de palavras e frases (aparentemente) desconexas.
Quem sabe com alguns goles e tragadas seja possível passar perto do que esse emaranhado de parágrafos é capaz de traduzir?
É fácil enganar a tela branca e o cursor: eles não fitam meus olhos, só compreendem meu toque.

Hoje estou de luvas (sete oitavos, preta, de cetim ...mas de luvas).
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Som-ambiente (clique e veja): Layla - Eric Clapton
Gorjeta: "Minha vontade é deitar ali e fazer alguma graça, minha vontade é que ele tire meus sapatinhos de boneca com calma e beije meus pés, afinal: pintei minhas unhas de vermelho só para ele. Minha vontade é que ele me pergunte se quero um pouco de chá gelado e se eu gostaria de ver um dos seus filmes estirada nas grandes almofadas. Mas ele não quer saber dos meus pés, dos meus olhos deslumbrados com aquela vida de cinema, do meu dente sujo de chocolate ou da minha garganta que arde. Ele quer mergulhar em mim, ele quer entrar em mim, ele quer me descobrir a fundo. Mas ele quer tudo isso sem sequer tocar em mim." (trecho do texto de Tati Bernardi)

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Pandora's Box


Então a boa-má-menina voltou a sentar naquela mesma mesa de bar. As oito vodcas lhe desciam pela garganta, como água gelada para um sedento no deserto, ao mesmo tempo que embaralhavam seus pensamentos, embriagavam suas pernas, turvavam sua visão, relaxavam seus músculos... Cada milésima parte do metro de pele, cada poro, cada pêlo.
Boa dose de remédio para algo do qual não acreditamos existir cura ou alívio.
Pois estava ali, perante seus olhos, ao alcance de seus lábios; cristalina, límpida, navegando por entre pedras de gelo. Mesmo assim, carregada de fluídos obscuros e indecentes – forma despudoradamente indecorosa e minuciosa de tirar o torpor e despertar a divindade arrefecida pela invasão perturbadora do nobre, mas inútil sentimento, capaz de derrubar até o mais bruto dos seres.
O suor que escorria pelo circuito externo do cilindro que mantinha preso este insigne líquido, também descia por entre seus dedos, pelas unhas vermelhas da única verdadeira dona daquele corpo, lhe propiciando um bom motivo para roçar e friccionar uma mão contra a outra sem demonstrar a ansiosidade ou nervosismo que a intrusa ainda deixava escapar debilmente. Sofisma inescrupuloso.
Cada gole clamava por ela, por aquela que jamais deveria ter abandonado sua extensão, forma ou pensamentos. A perversa menina estava escondida, perdida por entre os lençóis úmidos da donzela inocente – e ela só conhecia o pecado e a luxúria; estava esquecida em meio às juras de amor grudadas no ouvido da desprotegida moça, enquanto ela só distinguia palavras insolentes, obscenas, mentirosas e lascivas; viu-se enrolada em lingeries de algodão de cores sóbrias, baratas, quando seu corpo gritava pela seda, pelo nylon, pelo vermelho, pelo preto, pela cinta-liga. Embriagada numa esquecida taça de vinho barato deixado ao lado da cama, aprisionada na letargia desse sentimento inverossímil e ficcionista, que entorpece e emburrece.
Mas ainda viva.
Adormecida, mas na espreita – aguardando a fresta, a fenda possível para libertar-se.
O álcool nas veias, a nicotina invadindo os pulmões, a música ininterrupta e descompassada os olhos nos olhos. O verde esmeralda brilhando e fitando como mira a laser, percorrendo todos os cantos, todos os espaços. Fatores que a incitavam sair da modorra, a abandonar as vestes e os pensamentos morais da boa menina que invadiu seu espaço e libertar-se. Libertar a herege perversa e insensível adormecida pelas palavras doces proferidas ao pé do ouvido e pela ilusão de que ser a “boa-moça” lhe traria de volta o doce gosto de combinar lealdade, amor, cumplicidade e verdade com algo parecido com felicidade.
Só mais um gole... Só mais uma tragada – só mais aquela música e a caixa de Pandora estaria completamente aberta.
Tempo esgotado. A fúria com que ela se liberta justifica todo o tempo de clausura.
Sem discernir investe contra a primeira presa indefesa que ousa aproximar-se, na ingenuidade do que estava por suceder.
Só há sangue e pele por entre seus dentes e unhas... no canto da boca. As vestes ao chão, o pudor em companhia das traças.
"Você tem um bom coração... adormeça boa-menina."

_______________________________________Som ambiente (clique e veja): Perfect - Simple Plan
Gorjeta: "Eu não quero que você me busque num super potente carro, eu só quero que quando você me beije, eu não deseje mais nenhuma força do universo. Estou pouco me lixando se o restaurante tem várias cifras no guia da Folha, mas gostaria muito que a gente esquecesse das mesas ao lado e risse a noite toda, eu até brindaria com água sem bolhinhas. Sério que tem uma pousada mega-master com ofurô em cima da montanha e charretes cor-de-rosa que trazem o café da manhã? Dane-se, se você conseguir passar, nem que seja algumas horas, encantado pela gente, essa será a maior riqueza que eu posso ganhar." (trecho do texto de Tati Bernardi - http://tatibernardi.com.br/artigos.php?y=2006)