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Vladimir Lestrovoy |
"Eu
te amo nunca mais".
Foram
as únicas palavras que ecoaram naquele ambiente fétido onde passara anos
depositando e sedimentando todas aquelas migalhas afetivas acumuladas. Se
libertaram, banhadas pelo gosto acre e levemente salgado que escorria pelo
canto esquerdo da sua boca - com a força de quem pare uma cria, com o ódio de
quem encrava a espada no peito do inimigo.
Os
mamilos secos e rijos, os poros abertos, o corpo teso, intrépido, e os pêlos
hirtos se enrosacavam num emaranhado de carne e ossos atirado entre as imundas
frestas, arrastando-se sobre as pétalas mortas e murchas que se colavam no seu
corpo úmido, como parasitas; sanguessugas sedentas, na busca do último suspiro
de vida.
Sem
dor não há redenção, e a cada corte aberto na sua pele, a cada gota de sangue
derramada ela se sentia mais próxima da libertação, do ato final.
Buscou
o que nunca existiu - era hora de desapegar-se das lembranças, de desmachar os
sonhos projetados sob a visão ilusória de quem a fez acreditar na utopia da
felicidade e apagar a luz. O escuro a chamava. As sombras esperavam-na.
Ela
sabia que através de alguma fenda ele a espreitava, como sempre: calado,
imóvel, obervando seus movimentos, aguardando seu fim lento e gradual. Aqueles
brilhantes e maquiavélicos olhos que a perscrutavam numa mistura diabólica de
tesão e asco, de desejo e repúdia careciam da certeza da sua morte ou seriam
assombrados por toda vida pela nódoa do mal que a construiu - como dividir o ar
com a única criatura capaz de dissuadí-lo?
Arrastou-se
até a parede com fissuras o suficiente para abrigar as pontas dos estreitos
dedos que buscavam o vigor muscular capaz de erguer o esguio corpo, passou a
mão pelo interruptor e quando pensava-se que o único movimento possível seria o
de apagar a luz, ela abriu a porta.
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Obrigada! Passo a régua e fecho a conta por hoje?