segunda-feira, agosto 12, 2013

Cobertura de Bolo

Photo by Steve Harrison

Naquela noite ela decidiu que os escudos e pré conceitos ficariam do lado de fora. Como paciente ela se tornou absolutamente impaciente perante inúmeros fragmentos que sobrevoavam seus pensamentos dia após dia, noite após noite - partes do imenso quebra-cabeça que existe dentro dela sendo atiradas na sua direção sem que ela fizesse qualquer movimento para tocá-las. Apenas observava, pensava – não agia, só reagia timidamente, ao mesmo tempo em que tentava encontrar motivos para não entrar naquele que antes considerava um perigoso jogo.O silêncio era absoluto, visto que todas as palavras já haviam sido ditas. Toda formalidade já havia sido exposta. Tudo o que era passível de ser medido e julgado já havia sido ponderado exaustivamente.Mas uma vez jogadora sempre jogadora. Impossível fechar os olhos, tampar os ouvidos, cerrar as narinas e negar a boca seca e os poros úmidos para tudo o que ela sentia na frente daquele homem. Porque sim, antes de tudo foi o homem que ela viu na sua frente. E assim, mesmo sem querer ele a convidou para jogar.Quando chegou aos últimos degraus da escada, em cima dos sapatos pretos de longo salto que deixavam suas pernas mais torneadas e seu bumbum mais empinado – e que neste dia usou com um único propósito - levantou o olhar despretensiosamente, ainda com a cabeça meio abaixada, lançando o brilho das duas esmeraldas rodeadas pelo leve esfumaçado negro em direção a ele; arqueou uma de suas sobrancelhas e passou a mão pelo cabelo, tentando forjar uma suave timidez. Ele a aguardava na porta, como sempre, mas neste dia ao ver um raio de sol refletir os fios loiros e aqueles olhos felinos sentiu um inexplicável gostoso desconforto. Em pé com uma das mãos apoiada na maçaneta ele exibia, além dos profundos e envolventes azuis que a fitavam, um sorriso sutilmente sedutor que fazia com que ela lembrasse do sangue que corre nas veias daquele homem que vive além da seriedade dos  encontros profissionais que já tiveram. Ele admirava detalhadamente cada um dos seus últimos passos antes de cruzar a porta, como se avaliasse cada centímetro do que olhava, tentando não ver. O delicado chamois do vestido encosta no corpo dele ao mesmo tempo em que sua mão sobe pelo braço e descansa no seu ombro, então ela desliza o rosto suavemente e culmina o cumprimento com um beijo na face, recebendo outro. Este deveria ser apenas o costumeiro cumprimento dos dois (agora) amigos. Mas ela passou por aquela porta despida de qualquer preceito, cerimônia ou proteção.No desenlace, por alguns segundos, apenas cerca de dois centímetros separam seus olhos, que se fitam e se leem – é como se os dois estivessem dialogando sem mexer os lábios. Ele podia sentir o calor que passava pelo tecido da roupa dela e o esquentava por inteiro. Ela tinha as faces levemente rosadas e assim, tão de perto, pôde perceber suas pupilas brilhantes e dilatadas mergulhando dentro dos seus. Ela também estava com a respiração ofegante e ao inspirar ele sentia os seios rijos pressionarem seu peito e alguns ossos da pelve encostarem-se levemente aos seus. Eles estavam absolutamente abraçados de corpo inteiro; colados um ao outro. Ele percebeu que já a conhecia tanto, mas que sabia tão pouco da mulher que era... E naquele segundo de lamento também decidiu não entregar mais segundos ao lamento.Enquanto os dois se abraçavam, ele sentia como se matasse a saudade de algo que nunca teve. Era uma estranha sensação de querer parar o tempo para apreciar cada sentimento, cada percepção, cada emoção delicadamente. Pela primeira vez, sem as luvas e as formalidades ele percorreu com as pontas dos dedos aquela pele macia, sorrindo ao se deparar com a resistência da penugem dourada que encontrou em suas coxas – era como se ao se tocarem se reconhecessem e confirmassem sentimentos sufocados por muito tempo. Segurou-a pela cintura com firmeza, beijou lentamente o delgado e perfumado pescoço e ela, como uma gata retribuiu se enroscando nele e beijando seus lábios enquanto se esgueirava vagarosamente até alcançar a mesa, onde se apoiou.Era tudo muito diferente para ela. Toda aquela voracidade e avidez cederam espaço para movimentos lentos e graduais. Olhos, mãos, cheiro... É como quando vamos comer algo e deixamos a parte que gostamos mais para o final – porque o que comemos primeiro mata a fome; o que deixamos por último degustamos devagar, apreciando a satisfação do desejo.As peças se encaixavam em tudo (ou em quase tudo). Passaram meses, negando o que os corpos gritavam em suas mentes. E depois? Depois é um tempo que ainda não aconteceu e só será escrito através das experiências e escolhas. Então se olharam novamente e decidiram ser felizes agora.

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Obrigada! Passo a régua e fecho a conta por hoje?