terça-feira, junho 11, 2013

Aquarela

PHOTOGRAPHY SEBASTIAN FAENA
Fiquei parada na frente da porta por algum tempo. Não sei por quanto tempo. Tempo suficiente para sentir as gotas da chuva que caía do lado de fora escorrerem dos meus cabelos pelo meu rosto, pela minha roupa. Olhando para baixo percebi que os pingos que eu via cair dos meus cílios, aos poucos, pintavam o chão – o rímel verde se misturava com a maquiagem, formando uma aquarela sem nexo naquele piso cor de mármore.
Eu seria capaz de contar cada pequena rusga da madeira à minha frente, em compasso com as batidas do coração que eu sentia subir à garganta. E enquanto distraía meu racional nesse jogo sistemático, juntava forças físicas para atender aos apelos do meu corpo e da minha alma e tocar a campainha.
Olhos fechados. Dlin-dlon.
Sinto como se meu corpo paralisasse. Não estou
respirando. Não ouço nada além do alto som das batidas frenéticas do meu coração que parece estar na minha cabeça, bombeado o sangue que corre absolutamente fervente nas minhas veias. Já não sei se as gotas que escorrem por entre os meus seios ou pelas minhas costas são da chuva ou do suor, e sinto-as descendo suavemente como um acalanto para o desassossego da espera.
Naqueles incontáveis - de tão ínfimos - segundos de abrir a porta e enxergar quem estava do lado de fora entendi a sutil diferença entre ver e olhar. Porque você me viu.
Mas quando você me olhou... Ah, então eu soube exatamente porque contra todas as ordens racionais do meu cérebro, meu corpo e minha alma estavam ali.
Foi como se todo o azul dos seus olhos pudessem me invadir, cada fresta, cada canto, todos os lugares escuros, escondidos, esquecidos.  Mesmo sem nenhum código ou conduta pré-definidos, nenhuma palavra era pronunciada e mesmo assim tudo era dito. Com um sorriso ousado e convidativo, você se aproxima devagar e passa uma das mãos pela minha testa, afastando os fios molhados do cabelo que cobriam levemente meus olhos. Sinto o calor da sua respiração ofegante, enquanto seu polegar segue as linhas do meu rosto, como se me desenhasse e a cada traço me revelasse, até encontrar os meus lábios que reverenciam seu toque rude e voraz.
Seu nariz vai navegando por entre meus cabelos encharcados, minha pele, meu pescoço e enquanto sua barba roça em mim me contraio e te abraço, numa antítese cíclica viciante.
Então se afastando levemente, suas mãos úmidas e quentes escorregam deliciosamente, em sincronia, desde o primeiro botão aberto do Sobretudo, passando do colo aos ombros e revelando o tudo que ele nada cobre.
A aquarela borrada na soleira da porta conta as rusgas da madeira à sua frente.

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Obrigada! Passo a régua e fecho a conta por hoje?