terça-feira, junho 26, 2012

Janela


Simone Attisani
A porta se fechou. Por alguns instantes um fio de luz, por mais alguns um escuro que fez com que eu sentisse meu coração na garganta. A luz se fez presente... Meia-luz. Era o abajur coberto por um fino tecido estampado com motivos orientais - combinava com tudo o que se sabia dela.
Desci os olhos pelas pernas. A ponta do sapato encostou no calcanhar fazendo com que deslizasse - um passo à frente e ela estava dez centímetros mais baixa, na estatura ideal. Os dedinhos ainda cobertos pela delicada meia de naylon deslizaram pelo outro sapato arrancando-o. O segundo passo a deixou ainda mais fêmea, ainda mais perfeita.
Estes centímetros que a mantinham sobre os homens, acima de nós, permaneceram ali, largados no tapete branco e felpudo do chão da sala.
A bolsa de couro preta fora a atirada no sofá, juntamente com os livros e os óculos - a máscara caía. A dura máscara sobre a qual ela se escondia durante o dia se desmanchava sob os meus olhos.
Seu movimento por vezes desfocava a imagem, mas pude perceber o cenário à sua frente. Só eu tinha a visão privilegiada daquele ambiente mundano, que não combinava com seus hábitos literários, com os livros expostos na estante de mogno. Seus braços mexiam-se vagarosamente - imagino que desaboatoava a camisa de cetim que delineava suas curvas. Ela deslizou pelos seus ombros, pelas suas costas, que desnudas deixavam à mostra a cintura e cada pequeno osso, cada pequeno músculo responsável por aquela pintura.
As mãos ainda percorreram os cabelos... Finos e sedosos, encarcerados por um prendedor: agora estavam livres (como ela). Os sacudiu de leve, balançou o pescoço e se esticou, braços ao alto, como uma gata. Ainda pude perceber um dos traços da tatuagem negra, antes escondida pelos fios.
O zíper se abre, a saia desliza e vejo o que nenhuma das pessoas com as quais ela passa o dia pode ver; as finas meias de naylon que vão até metade das voluptosas coxas se ligam apenas por um fio à lingerie - pequena e sexy. Ninguém sabe o que a pesada saia até o joelho esconde durante todo aquele tempo. Nenhum dos homens com quem permanece horas discutindo valores, idéias, ou metas, nem mesmo os que dividem minutos a sós em frente a máquina de café poderiam sequer imaginar a mulher que se esconde por trás dos tecidos, das lentes, do escudo.
Enquanto ela entorna vagarosamente a garrafa de vinho tinto, preenchendo o cálice com o mais rubro dos líquidos posso perceber seus seios, seu sutiã, de mesma cor e sensualidade das meias ou da cinta-liga. Eles encobrem a pele macia, encobrem de uma forma misteriosa e excitante o que espero ter em minhas mãos. Mirando-os assim quase os sinto.
Ela balança lentamente os quadris - não ouço, mas acredito ter uma música a embalando - e meus olhos vidrados acompanham seus movimentos, me hipotizando. Minha respiração está ofegante - as mãos estão frias, mas suam.... Um deslize e...
A lente bate no parapeito...
Ela caminha na minha direção. As cortinas cerram-se.
O espetáculo chega ao fim.
Só por hoje - porque ela sabe que eu estarei aqui; ela gosta disso e por isso amanhã voltará.


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Obrigada! Passo a régua e fecho a conta por hoje?